29/03/2015

Caixas Negras

A vida é completamente imprevisível. E o Homem segue-lhe as pisadas. Num momento podemos ser as pessoas mais lúcidas e, no outro, ter vontade de fazer as coisas mais inimagináveis. Há razões que por mais que tentemos entender nunca o iremos conseguir, porque estão fora da lógica da maioria. É completamente impensável entender a razão que leva um co piloto a destruir propositadamente um avião levando com ele 149 pessoas totalmente inocentes. É impossível. Podemos continuar a questionar, mas a verdade é que por mais caixas negras que encontrem, nenhuma delas nos vai dizer o que ia na cabeça de Andreas Lubitz.  
     Tenho que confessar que o momento de entrada num avião é, para mim, muito perturbador. A minha mente navega por entre as mil e uma coisas que podem correr mal: uma tempestade incontrolável, a falha dos motores ou então uma invasão de terroristas infiltrados, mas nunca me lembrei de questionar os ímpetos suicidas dos pilotos, que naquelas horas tinham a minha vida, a dos meus e a de mais cento e tal pessoas nas suas mãos. E isto porquê? Porque na minha ingenuidade pensaria que a companhia se certificava que tinha consigo não só os melhores, os mais competentes, mas também os mais estáveis. Como eu disse, o Homem é imprevisível, e nunca nos devíamos esquecer disso. Os pilotos têm diariamente nas suas mãos a vida de milhares de pessoas que confiam neles de olhos fechados, que confiam que eles os vão levar de volta para as suas famílias; que eles os vão levar para aquela viagem que há tanto tempo sonhavam fazer; que os vão levar ao reencontro de um velho amigo que há muito não viam; colocam neles a esperança de um futuro.

26/03/2015

As mentalidades por trás dos maus tratos

            Recentemente, os maus tratos a animais de companhia (morte e danos físicos) passaram a ser punidos por lei. Aqueles que o fizerem sem motivos legítimos arriscam-se a uma pena de prisão que poderá chegar aos dois anos.
            No início do mês, um cão foi abatido a tiro em Monsanto pelo vizinho dos donos. Gerou-se uma onda de indignação nas redes sociais e media e ainda o apoio político da PAN. Para além disso, as organizações de protecção de animais aproveitaram o momento para reforçar os apelos para que a nova lei seja efectiva.
            Crueldade à parte, há que ter em conta as diferenças que se apresentam a nível de mentalidades. Apoio este avanço mas há que levar a questão mais a fundo porque apesar de compreender o sofrimento dos donos e me causar tristeza situações semelhantes, consigo também analisar a outra face do problema.
            Se recuarmos duas gerações facilmente concluímos que a forma como os nossos avós foram criados não é comparável com os afectos que actualmente ligam a maior parte de nós aos animais. Com grande parte da população a trabalhar de sol a sol num meio rural e com poucas perspectivas e horizontes para além do sol a pôr-se na fazenda onde o rebanho está a pastar, penso que não é de esperar que essas mesmas pessoas olhem para os animais como algo mais do que uma ferramenta de trabalho e sobretudo, uma forma de sustento.
            Como ouvi dizer, é gente mais "preparada para a vida". A falta de meios para prosseguir com os estudos ou ambicionar a uma vida com maior bem-estar faz com que estas questões que a nossa sociedade desenvolvida coloca não façam qualquer sentido há uns anos atrás. A realidade é bem mais dura para dar espaço a esse nível de preocupações.  O que tem abater o cão do vizinho a tiro se ele anda a rondar a minha casa ou se abater o próprio cão se tal se mostrar necessário nem sequer é um problema?
            A questão em causa para as pessoas que foram educadas para ganhar a vida nestes meios não só é secundária como para muitos nem sentido faz. Não podemos fazer uma comparação quando estão em jogo contextos tão distintos.

            Não considero que os actuais problemas nacionais sejam a desculpa para não analisar este assunto, não considero que o facto de existirem prioridades nos faça ter "vistas curtas". Contudo, a defesa dos direitos dos animais deve ganhar uma certa racionalidade que muitas vezes parece que se perde. Provavelmente a solução passa sobretudo pela imposição de coimas agravadas e de um exercício de prevenção visto que muitos destes casos remontam a quezílias e invejas de parte a parte sobretudo nas zonas do interior português.

16/03/2015

Máscara Virtual

  Nas últimas eras, as inovações tecnológicas têm sido uma constante nesta sociedade que vive numa permanente sede de mudança e renovação. E foi desta forma que um mundo que outrora vivia isolado se transformou num mundo globalizado reduzido a uma «aldeia global». Tudo se tornou mais fácil, rápido e inovador. As comunicações facilitaram-se. Se há uns anos atrás ter um telemóvel era um motivo de festa, hoje em dia tornou-se em algo banal, importante é que seja a versão mais recente e funcional! A internet aproximou as pessoas num mundo virtual onde tudo acontece e nada é impossível. E o famoso facebook tornou-se no habitat natural de quase toda uma sociedade, tornando-se num novo e inovador meio de comunicar. Resumindo, toda esta evolução tecnológica trouxe não só desenvolvimento, mas também o afastamento das relações pessoais. Hoje em dia, temos cada vez mais gerações presas a um mundo virtual.
                
   Evidente que todo o desenvolvimento a que assistimos nas últimas décadas proporcionou às sociedades uma melhoria considerável das condições de vida e que todo este progresso tecnológico facilitou e tornou o nosso quotidiano mais diverso (pelo menos em metade do mundo, mas isto já são outras histórias), mas o que preocupa são as consequências que tudo isto trouxe para as relações humanas. Afinal a que custo é feito o progresso?
    A base do ser humano é a comunicação, é a sua capacidade de comunicar com e para os outros, mas também para si mesmo. Se por um lado, a nova era tecnológica facilitou a comunicação reduzindo a distância, por outro, reduziu o convívio e a partilha entre humanos sem o uso de artefactos. Basta vermos que muito do nosso tempo é gasto em frente a um computador, navegando pelo facebook, “comunicando” com os nossos amigos virtuais, ou ainda presos num ciclo infinito de SMS´s. Os restaurantes tornaram-se palco de uma procura da senha do Wi-Fi, numa sede de conhecer as últimas novidades. Que é feito dos momentos em família, onde se conversa, se partilha o nosso dia-a-dia, as nossas preocupações? Que é feito dos momentos entre amigos, daqueles que ficam nas nossas memórias durante anos e que acabamos por recordar anos depois, ainda com um carinho especial?

12/03/2015

Nem em casa estamos seguros


Ver o nosso espaço invadido não é coisa fácil de engolir. Mesmo que as marcas deixadas não sejam evidentes, a sensação de que alguém perturbou a paz que nos é cara deixa-nos com um travo amargo na boca. A isto acrescem as perdas materiais, os estragos provocados por arrombamentos e demais intervenções, grandes gastos monetários, aflição e dor de cabeça.
Pensamos sempre que só acontece aos outros e somente quando a desgraça nos bate à porta percebemos a gravidade da situação e urge o tempo para tomarmos medidas. Afinal de contas quem haveria de julgar que o nosso próprio lar poderia ser alvo de vandalismo, roubo ou mesmo sequestro? Estamos em Portugal e apesar das agências de rating nos baixarem as nossas posições, que eu saiba não somos um país de terceiro mundo onde a violência e criminalidade é progressivamente mais atendida não deixando, contudo, de ser uma parte do dia-a-dia daqueles que vivem com ela à porta.

Mas o pior, é que a nossa mentalidade principia por ter uma formatação igual, não nos sentimos seguros na rua, viajar de transportes públicos à noite deixou de ser boa ideia, uma casa sem alarme de segurança está em perigo iminente, confiar no vizinho ou na entidade competente vai deixando de ser opção e de vez em quando até temos medo da nossa sombra.
Quantas entidades de grande vulto já foram acusadas de crimes semelhantes? Quantos casos de autoridades competentes apanhadas em flagrante não são a opinião pública testemunha? São só alguns casos que nos fazem deixar de lado a nossa boa fé e passar a ter uma atitude de alerta permanente. Aquela cara nova lá da rua pode afinal de contas não ser o novo dono do café da esquina mas um possível infiltrado para nos espiar os cantos à casa.

Acho que o modus operandi dos assaltantes actualmente é deveras despreocupado. E se não me engano, têm razões para tal. Senão vejamos, o policiamento em Portugal é na generalidade reduzido a patrulhas de trânsito e quando chamados para resolver estas situações pouco mais lhes é permitido fazer do que preencher a papelada sobre o ocorrido. Se perguntar se existe alguma possibilidade de apanhar o culpado e se o nosso depoimento foi prestável, é provável que receba um encolher de ombros e um sorriso de “é isto que temos”. De facto, com os legisladores que temos não podemos ter grandes esperanças. Se dois polícias são mortos por atropelamento enquanto perseguem dois criminosos e os mesmos são depois postos em liberdade, que esperança é suposto ter? E que conduta podemos passar a exigir dos seus colegas polícias quando o uso de uma arma de fogo para impedir actos

09/03/2015

Um Mundo Esquecido..

Sou uma mulher desiludida com o mundo em que vivo. E a principal razão é o esquecimento, as falsas preocupações e, principalmente, a incapacidade de agir. O movimento  #BringBackOurGirls foi um fenómeno mundial, no entanto,  quase um ano depois, as 200 raparigas continuam desaparecidas e o mundo entrou, de novo,  num estado de amnésia selectiva. E a violência para com as mulheres, o abuso e o desrespeito por direitos básicos continuam. E nós, o que fizemos verdadeiramente?

«Todos os homens batem nas mulheres e, um dia, eu vou fazer o mesmo»[i], e é este o “sonho” de um jovem indiano de 8 anos. Quem o pode culpar? É este o exemplo com que ele cresceu, foi isto que lhe foi ensinado por seu pai, e é isto que ele vê todos os dias na sociedade que o rodeia. Agora eu pergunto como é que é possível existir, nos dias de hoje, esta crença? Revolta-me ler que, a cada 28 minutos, acontece uma violação na India, que todos os dias, milhares de mulheres são espancadas, violadas e mortas[ii]. E eu não vejo nada a ser feito! O mundo vive obcecado com o crescimento económico, com a crise financeira, e continua cego à crescente crise de valores que afunda a nossa sociedade.


A Índia tem assistido a um aumento na inconsciência das políticas relativas ao controlo populacional, tudo com base no ideal de que as mulheres são inferiores, fardos para as famílias, e não merecem ser ouvidas nem respeitadas. Neste sentido, cresce o número de abortos selectivos, em que fazem uma festa se o bebé for varão ou, então, matam se for menina. Outra medida muito popular são as esterilizações, muitas delas forçadas e uma grande maioria culmina na morte destas mulheres[iii]. Os pobres dos homens não podem fazer esta cirurgia porque têm receio de perder a sua virilidade e, viva o sexo forte! Eu gostava de saber o que é que estes homens vão fazer quando o número de mulheres começar a diminuir. Mas eles já têm uma solução: O tráfico humano oriundo dos países vizinhos!

Eu vivo num mundo em que os direitos humanos nada valem. «Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos», assim começa a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Eu pergunto:

02/03/2015

Ventos de mudança?

O pontificado do Papa Francisco parece querer trazer novos ventos à Igreja. A reforma da Cúria Romana torna-se um assunto central na agenda, após o início do saneamento da estrutura financeira no Vaticano, mas o percurso é manifestamente longo vistas as resistências que enfrenta.
            Estas resistências acabam por ser naturais se olharmos para as mudanças que o novo Papa tenta instituir e as divisões que daí surgem dentro do próprio seio da Igreja, muitas vezes decorrentes de episódios polémicos.
            Apesar do positivo “efeito Francisco” para a Igreja católica, muitos fiéis não se encontram satisfeitos e é por essas razões que a proximidade das pessoas, com os seus problemas e vidas é essencial, um processo que Francisco apelida de “sarar feridas”.

            Contudo, esta visão pode ser travada por resistências que após alguns meses de pontificado se tornaram mais evidentes. Estas prendem-se sobretudo com as reformas que se pretendem instituir ao nível interno da Cúria.
            Com opiniões marcadas relativamente ao núcleo familiar e suas obrigações ou ainda assuntos polémicos como a homossexualidade e o aborto, pode existir um risco de acumular inimizades junto dos membros da Igreja que o seguem. Contudo, a resposta parece ser simples. O Evangelho deve ser colocado acima da doutrina mas ninguém deverá esperar que se mudem os preceitos que orientam o catolicismo embora algo diferente possa acontecer e isso prende-se com a não condenação de certos comportamentos e grupos.
            Os gestos de Jorge Mario Bergoglio cedo conquistaram multidões, sobretudo aqueles gestos que o revestem de humildade. Mas se por um lado os seus comportamentos trouxeram a esperança de uma nova Igreja, muitos outros agitaram-se no seu desconforto. Muitos consideram o seu comportamento um exagero por dessacralizar a sua função mas o objectivo é o oposto e visa fortalecer a instituição.  Por outro lado, imagino várias personalidades desagradadas com os seus discursos críticos do capitalismo sem freio” ao mesmo tempo que luta contra o egoísmo, a demagogia e a vaidade e interesses dos poderosos. Dando o seu exemplo de austeridade, recrimina a sociedade do consumo e a forma como veneramos acima de tudo os bens, impõe a sua conduta aos restantes sacerdotes e leigos.

            Apesar das crises, o cristianismo sempre mostrou uma grande capacidade de adaptação aos mais variados sinais dos tempos, resta saber se os projectos reformistas iniciados pelo Papa argentino se tratam de uma mudança profunda ou antes que será um processo estagnado pelos conservadores dogmáticos.