31/03/2016

Os tipos de passageiros de um autocarro - Parte II

Se a variedade de passageiros de um autocarro se limitasse àquela que leste no artigo anterior (http://quebrapalavras.blogspot.pt/2016/03/os-tipos-de-passageiros-de-um-autocarro.html) a vida até seria fácil. Mas as coisas não são assim tão simples… aqui estão mais tipos de passageiros que podes encontrar num autocarro perto de ti.

 
- o inquisidor: nem sempre sentimos quando estamos a ser observados mas há certos olhares que basicamente nos despem dos pés à cabeça. Desde olhares rancorosos mal direccionados pois provavelmente não são dirigidos a nós mas ao objecto de pensamento dessa pessoa, até análises rigorosas da nossa vestimenta, estes passageiros adoram observar os seus companheiros. Eu tento justificar com a falta de ocupação durante a viagem, o que torna estas pessoas estátuas especadas a olhar para nós.

- o resmungão: sempre mas sempre, qualquer que seja o trajecto há sempre alguém ou revoltado com o mundo, ou revoltado com a vida ou mesmo só com o autocarro que novamente está atrasado. Esses revoltados não guardam a revolta para si e resmungam o caminho todo, entre dentes ou então com o colega do lado se este lhe der troco. Por vezes até se geram discussões entre os passageiros da frente e os do fundo do autocarro, qual debate sem fim e sem bom senso.

-os esfomeados: é normal ter fome, eu própria estou sempre com fome mas a não ser que estejam prestes a desmaiar há locais mais apropriados que outros para comer aquele snack cheio de açúcar que temos na mala. Mas o pior nem é isso, são o tipo de alimentos escolhidos para se comer quando a fome aperta. Os mais comuns são tangerinas, maçarocas ou outros produtos que implicam descascar ou cuspir sementes.

- o perfumado: nada como ir lado a lado com alguém que pelo cheiro parece ter corrido a maratona e esquecido de tomar duche. No inverno é mau porque ninguém quer abrir as janelas, no verão também não melhora de tão abafado que vai o transporte. Melhor mesmo é nas horas de ponta, quando a intensidade do cheiro se multiplica e sugamos o ar fresco que entra de cada vez que as portas se abrem.



- o obstrutor: não é fácil circular no pequeno espaço do autocarro e para ajudar à festa há sempre que contar com aquele amigalhaço descontraído que só passando por cima é que sai da frente para nos deixar passar. Há de tudo, os distraídos como eu, o que precisa de espaço mesmo que não precise e o ditador que parece estar a reivindicar um pedaço de território de tão inamovível que é mesmo quando se apercebe que está de facto a estorvar a passagem.

- a barbie sem tempo: talvez dos que mais me incomodam. Pode parecer inacreditável para qualquer pessoa com um pouco de educação e dois dedos de testa mas tornou-se normal encontrar tripulantes do sexo feminino que vão o caminho a maquilhar-se, pintar as unhas, cortar as unhas (sim isso mesmo) e sabe se lá que mais. Façam me um favor, acordem mais cedo, componham-se e depois sim apareçam ao mundo.

26/03/2016

Os tipos de passageiros de um autocarro - Parte I


            Pára, arranca. Pára, arranca. Entra. Sai. Entra. Sai. A cada recarga de passageiros, a cada paragem de autocarro, novas aventuras se encontram à sua espera. Se as diferentes localidades, vizinhanças e avenidas podem ser mais proliferas em determinada espécie destes tripulantes a verdade é que se encontram à espreita uma grande variedade de ocupantes deste querido transporte público.
            Quer de noite, quer de dia ou mesmo nas primeiras horas da manhã não existem tempos mortos e nunca pode ter a tranquilidade como garantida.
           Passando àquilo que interessa, passo a enumerar os diferentes tipos de passageiros de um autocarro e espero que não se identifique com nenhum e apenas os reconheça como companheiros de aventuras.

- o que fala pelos cotovelos: todos nós conhecemos aquele parceiro de viagem com quem temos o azar de estar lado a lado (ou sorte para quem gosta de desprender a língua) e que não pára um minuto para respirar e fazer silêncio. Qualquer que seja o assunto, o tempo nesse dia, ou a nossa cara de desagrado perante a falta de oportunidade do nosso recém amigo, ele ou ela nunca parecem se aperceber do esforço que aplicamos apenas para acenar com a cabeça em sinal de cordialidade. Ah e estar com os phones nos ouvidos já não é solução. Podes até ser surdo. Ele não se vai calar.

- a minha mala também merece um lugar: arranjar lugar no autocarro nem sempre é tarefa fácil. Em horas de ponta há quem fique preso nas portas de entrada e os restantes apesar de já no interior do autocarro, acomodam-se como sardinhas em lata. Contudo, ainda é possível encontrar passageiros que no auge do seu bom senso acham por bem que o lugar do lado deve ser reservado à sua mala, seja uma clutch, sacos de supermercado ou a troley que veio directamente do aeroporto.
Quando lançamos aquele olhar que indica a nossa vontade de ocupar aquele lugar ou pedimos educadamente que mova os objectos, ainda dá para ver o ultraje estampado nos olhos destes passageiros decerto habituados ao luxo.

- os jovens licenciados mas sem educação: como se diz por aí, ter um canudo não significa ter educação e infelizmente ainda se encontra muito jovem-adulto a não compreender a prioridade que deve ser dada a pessoas idosas, pessoas com dificuldades físicas, grávidas e crianças. Se a outros não causa desconforto estarem confortavelmente sentadas enquanto outras pessoas estão em grande esforço físico para enfrentar uma viagem longa de autocarro sempre de pé, eu não consigo deixar de ficar agitada com tanta falta de respeito e de lançar olhares carregados enquanto rezo por um gesto de humanidade.

- o encosta: intimidade física não parece ser um conceito conhecido de muita gente. Contacto físico não é o meu forte, pelo menos com estranhos. O toque constante de braços ou pernas, cabelos agitados para cima da minha cara, olhares indiscretos para as sms ou redes sociais no nosso telemóvel são, ao que parece, actos de sociabilidade que muito boa gente sente necessidade. E eu cá me encosto o mais possível ao vidro/janela do autocarro até que a minha respiração embacie o vidro, mas mesmo assim não costuma ser suficiente, o calor humano chega sempre até mim.


- a aparelhagem: phones? Que é isso? Não sei nem nunca ouvi falar. Aliás nem sei qual é a vossa preferência musical mas de certeza que o barulho que estou a ouvir a altos berros, e ao qual chamo música, é Beethoven para os vossos sentidos. Aproveitem que estou bem-disposto e desfrutem da vossa viagem, que sem mim seria silenciosa e tranquila. Não há nada a fazer, vão sempre existir recuos na história, neste caso é como se ainda circulassem por aí as aparelhagens em cima do ombro, até aqui o vintage ficou trendy.

22/03/2016

Rezem pelo mundo

Escrevo estas linhas como um desabafo.

   Um desabafo de alguém que não entende o prazer de instaurar o medo e o terror como forma de fazer provar uma ideologia. 

  Alguém que, também, não compreende a facilidade com que muitos de nós aponta a vinda de refugiados como a causa mor de tudo isto. A todos vocês que se deixam levar pelo ódio, pela raiva, culpando aqueles que apenas querem viver uma vida em paz, não se esqueçam que na, na sua maioria, todos eles viviam diariamente rodeados pelo medo, sangue e terror. Que muitos viviam com a morte à sua porta. Que muitos perderam os seus em atentados atrozes, como os que aconteceram em Paris e, hoje em Bruxelas. Com a diferença que, para eles, estes aconteciam todos os dias.  A vinda para a Europa é para eles a esperança que há muito perderam. Conseguem imaginar? 

  Acreditem que o ódio que demonstram é o objetivo dos autores destes atentados, é a prova que eles precisam para justificarem os seus atos - como se houvesse justificação possível - que para eles existe. Quanto mais nos deixarmos levar pelo ódio, mais poder lhes damos e maiores, eles se sentem. Nós somos superiores a isso! Somos Humanos! Conquistámos demasiado, para perdermos tudo desta forma. Conquistámos a liberdade, os direitos, lutámos por uma humanidade mais justa e compreensiva. Lutamos diariamente para que o nosso passado não nos assombre, para que, também nós, nos tornemos melhores do que aquilo que já fomos. É por isso que não é com armas, com ódio, com preconceito e ostracização que os venceremos. 
A melhor forma de derrotarmos um inimigo é conhecendo-o. Só conhecendo as suas forças, fraquezas, ideologia, a sua base, a sua operação, o máximo que conseguirmos, é que encontraremos o seu tendão de aquiles, porque sim, todos o têm. 

    Escrevo estas linhas, também, a vocês, que a esta hora festejam a vossa "nova conquista", e pergunto o que é que ganharam? Sangue? É isso que vos dá prazer? É isso que alimenta a vossa vida? Matar indiscriminadamente? É essa a vossa felicidade? Dá-me pena a vossa incapacidade de sentir. Não imaginam o quanto ganhavam se conseguissem sentir o mínimo de compaixão, se soubessem o que é amar e ser-se amado, se soubessem simplesmente o que é sentir. E doi-me que essa vossa incapacidade de sentir tenha tirado tantas vidas cheias de amor, tenha roubado tantas oportunidades, tantos sorrisos, e tenha dado tanto sofrimento àqueles que cá ficaram. O vosso fascínio em assassinar pessoas inocentes, que estavam apenas a viver a sua vida, quem sabe a viver os seus sonhos, é absolutamente incompreensível. O que é que todas estas vitimas fizeram para que vocês lhes roubassem a vida desta forma? Porquê? 
Cada vez mais vejo que vos dá gozo o medo, pensam que têm algum poder sobre todos nós, pensam que vamos deixar de viver as nossas vidas como o medo que expludam mais qualquer coisa, digo-vos uma coisa, por mais que façam, por mais videos, por mais bombas, armas, mensagens que deixem, ninguém vai deixar de viver a sua vida, a sua única vida, por causa de um grupo que decidiu impor-se através do medo, não vão conseguir, não podemos deixar. 



Não deixem que vos tirem a vontade e a alegria da vida. Não deixem que vos façam desconfiar de quem vos rodeia. Não deixem que o preconceito vos consuma. E não rezem só por Paris, ou só por Bruxelas. Rezem por todos nós. Rezem pelo mundo. Rezem por vocês e pelos vossos. 

E mais uma vez, por favor, não tenham medo. 

09/03/2016

Quando as mulheres se unem, coisas incríveis acontecem

   Ontem foi dia da mulher e não pude deixar de comparar a situação das mulheres portuguesas, europeias ou de uma certa cultura dita ocidental com a de milhares de outras mulheres como eu, cujos países e compatriotas as subjugam e olham para elas como seres inferiores.

   Apesar das nossas lutas mais do que fundamentadas dei por mim a desejar que as próximas conquistas das mulheres do meu país passem pela denúncia da violência de que são frequentemente vítimas quer por parte dos próprios companheiros quer pela sociedade que infelizmente ainda encontra elementos que pensam ter o direito e poder de nos pisar e usar a seu belo prazer.
   Enquanto pensava como seria bom se as mulheres tivessem a mesma facilidade de acesso a determinados trabalhos predominantemente masculinos, cargos de topo, ou posição de gestão e de carácter político. Pensava como seria uma grande conquista se o facto de sermos capazes de dar a vida não fosse um peso desfavorável para conseguir e manter um trabalho.
   Mas mais do que olhar para as circunstâncias que nos rodeiam é essencial ver mais longe. Em sociedades africanas, indianas ou árabes para apenas nomear alguns exemplos, os desafios que estas mulheres enfrentam são ainda maiores e cobertos de maior gravidade. Em pleno século XXI, os direitos destas mulheres são questionados, percepção essa protegida por vezes, por ideais religiosos ou em nome de tradições e elementos identitários.
  A questão nem se prende com a existência de protecção e segurança para mulheres desprotegidas ou conquista de direitos de trabalho mais equitativos. A base de argumentação é muito mais retrógrada que isso, como se de uma era primitiva se tratasse, pois a discussão ainda se centra na humanidade com que estas mulheres devem ser tratadas.
  Existe um longo percurso a percorrer numa estrada cheia de altos e baixos. Como li recentemente, quando as mulheres se apoiam mutuamente, coisas incríveis acontecem. É importante que a leve brisa de mudança se torne um vento forte nas sociedades mais atrasadas para que as próprias mulheres por todo o mundo ganhem consciência de que são iguais aos homens e que não existe uma passagem de um livro sagrado, governo autoritário ou rito de transição que as possa fazer acreditar que são diferente e menos dignas de respeito